
Veja mais sobre histórico e a história dessas famílias:
https://30anos.stj.jus.br/2019/01/familia-sem-ressalvas-uma-conquista-social-alcancada-nos-tribunais...
O livre planejamento familiar tem status constitucional reconhecido no art. 227, § 7º da Constituição da República, segundo o qual "Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas." Como se lê no dispositivo , o planejamento familiar é norteado pelo princípio da liberdade, de modo a evitar qualquer ação limitativa do seu exercício, seja pelo Estado, Instituições oficiais ou privadas.
Entende-se por planejamento familiar o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. A Lei n° 9263/1996 regulamenta alguns aspectos do planejamento familiar, deixando clara a tônica da liberdade também no art. 9º, o qual dispõe que "para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção". A única restrição prevista na lei pondera o direito ao planejamento familiar, seja conceptivo ou contraceptivo, com a existência de risco de vida e saúde das pessoas envolvidas.
A Fertilização In Vitro (FIV) é a técnica mais complexa de Reprodução Assistida. Consiste em fecundar óvulo e espermatozoide em ambiente laboratorial, formando embriões que serão cultivados, selecionados e transferidos ao útero da mulher. A fertilização in vitro é realizada em cinco etapas diferentes, a saber:
A estimulação ovariana é feita através de medicamentos hormonais. Um agonista (substância capaz de se ligar a um receptor celular e ativá-lo para provocar uma resposta biológica) do hormônio, que libera a gonadotrofina (GnRH) é aplicado com o objetivo de impedir que a ovulação ocorra antes dos óvulos terem amadurecido. Após este procedimento é utilizado hormônio folículo estimulante (FSH) e hormônio luteinizante (LH) para o crescimento e desenvolvimento dos óvulos.
Durante o período de administração destes hormônios a paciente realiza ultrassom periodicamente para acompanhar o crescimento dos folículos (local dentro dos ovários onde os óvulos se desenvolvem). Após esse procedimento, a gonadotrofina coriônica humana é administrada para estimular a ovulação e, 34 a 36 horas após esta medicação, os óvulos são retirados pelos médicos diretamente dos ovários.
A segunda etapa consiste na coleta dos óvulos utilizando uma ultrassonografia como guia. Nesse momento, o médico é responsável por retirar os óvulos que já cresceram e se desenvolveram. Eles são separados do líquido folicular e armazenados no laboratório (dentro da incubadora a 37ºC) até a sua manipulação para fertilização .
Os óvulos são separados, preparados e colocados em uma placa de cultura para serem fertilizados com os espermatozoides selecionados anteriormente. Os espermatozoides podem ser colhidos do testículo, epidídimo ou ejaculado. Nessa etapa, um único espermatozóide pode ser injetado em cada oócito. No caso de sêmen congelado, todo a amostra é descongelada, e não um espermatozóide por vez.
Após a junção dos espermatozoides com os óvulos, os pré-embriões ficam em desenvolvimento por um período de três a cinco dias.
Na última fase, os embriões são transferidos para o útero materno através da vagina. A probabilidade de resposta ao tratamento dependerá da qualidade de embriões que foram implantados, da indicação para o tratamento, da receptividade uterina entre outros fatores .
O processo de coleta dos gametas, fecundação, implantação no útero da mulher e exame final para detectar o sucesso da técnica aplicada pode durar em torno de 25 dias. O índice de sucesso é relacionado com a idade da mulher doadora do óvulo, já que eles podem ter maior dificuldade de fecundação quando a idade é avançada. Para mulheres com menos de 35 anos, as chances de sucesso podem chegar a 60%. Em mulheres de 35 a 38 anos, as chances são de 40%. Para mulheres entre 40 e 42 anos, as chances variam de 20% a 25%. (https://www.procriar.com.br/blogprocriar/entenda-como-funciona-a-fertilizacao-in-vitro/ ). Supondo que sejam coletados 20 óvulos, ocorrendo a fertilização de todos na 3ª ETAPA, não haverá 20 embriões, pois desses pré-embriões nem todos serão viáveis. Com a nova Resolução do CFM 2294/2021, apenas 8 (oito) óvulos poderão passar para a 3ª ETAPA e serem fertilizados, reduzindo drásticamente a chance de êxito do procedimento, razão pela qual vem sofrendo fortes críticas tanto na área jurídica, quanto médica[1].
Segundo a presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), Dra. Hitomi Nakagawa, o documento trouxe algumas preocupações em relação ao limite imposto para o número de embriões a serem gerados em laboratório, sem considerar as particularidades de cada mulher. “Nossa preocupação é que essa alteração pode reduzir as chances da mulher engravidar, além de onerar mais ainda os casais de forma física, emocional e financeiramente”, explica (https://sbra.com.br/noticias/resolucao-de-reproducao-assistida-e-atualizada-pelo-conselho-federal-de-medicina/) . Em nota, a Associação Brasileira de Embriologistas em Medicina Reprodutiva, manifestou-se afirmando que “não refletem o posicionamento de nossa sociedade por não permitir o exercício da excelência dos nossos serviços, impactando diretamente em um pior cenário para as pacientes que necessitam de tratamentos de Reprodução Humana Assistida”(file:///C:/Users/Rose%20Meireles/Dropbox/Rose%20Meireles%20Advocacia/Clientes/Karina%20U/NOTA-RESOLUCAO-CFM.pdf ).
Nesse sentido, afirma-se a inscosntitucionalidade da limitação a fertilização de apenas 8 (oito) óvulos, na medida em que limita o exercício ao planejamento familiar, reduzindo as já reduzidas chances de gestação. No caso dos autos, a situação é mais grave, pelo fato de os óvulos serem doados. Por esse motivo, não haverá aumento do custo físico, emocional ou financeiro; trata-se da única oportunidade para exercer o direito à parentalidade, assegurado constitucionalmente.
A Resolução CFM 2294/2021 inova ao LIMITAR a 8 (oito) o número de óvulos a serem fertilizados, restringindo o exercício ao livre planejamento familiar:
"V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU EMBRIÕES
1. As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozoides, oócitos, embriões e tecidos gonadais.
2. O número total de embriões gerados em laboratório não poderá exceder a 8 (oito). Será comunicado aos pacientes para que decidam quantos embriões serão transferidos a fresco, conforme determina esta Resolução. Os excedentes viáveis serão criopreservados. Como não há previsão de embriões viáveis ou quanto a sua qualidade, a decisão deverá ser tomada posteriormente a essa etapa. (grifou-se)"
Não há nenhuma razão médica a justificar o número de 8 (oito) embriões gerados em laboratório. O mesmo dispositivo, inclusive, ressalta, que NÃO HÁ PREVISIBILIDADE QUANTO AOS EMBRIÕES SEREM VIÁVEIS OU A SUA QUALIDADE. Assim, se não é possível prever quantos embriões serão viáveis e de qualidade, quanto maior o número de embriões gerados em laboratório, maior a probabilidade de algum ser viável e de qualidade. E, ao contrário, quanto menor o número de embriões gerados em laboratório, menor a probabilidade de algum ser viável e de qualidade.
Assim, a norma do CFM que obriga (um tipo de coerção, eis que retira a liberdade) os casais a não fertilizarem todos os óvulos maduros obtidos com tanto custo financeiro, físico e emocional, principalmente, limitando ao número de 8 (oito), atinge diretamente o exercício do direito ao livre planejamento familiar. Desse modo, enquanto existente a norma inconstitucional, deve ser afastada por sua inconstitucionalidade, a permitir àqueles que realizam o projeto parental decidir quantos óvulos coletados serão fertilizados para fins de reprodução in vitro.