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Em todo o mundo, milhões de crianças e adolescentes tiveram o direito à educação suspenso ou restrito como medida de prevenção contra a pandemia do Covid-19. No âmbito da educação privada, inúmeros dilemas surgem. De um lado, verifica-se uma corrida das escolas para se adaptarem ao ensino à distância, a fim de minimizar os efeitos da paralisação forçada. De outro, uma frenética preocupação dos responsáveis financeiros com o pagamento integral das mensalidades durante o período de isolamento social, sem escola.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê o mínimo de 200 dias letivos por ano (o ano letivo). Contudo, a Medida Provisória n° 934/2020 dispensa o estabelecimento de ensino de educação básica, em caráter excepcional, da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo trabalho escolar, desde que cumprida a carga horária mínima anual, observadas as normas a serem editadas pelos respectivos sistemas de ensino. Com essa norma, as escolas podem cumprir o ano letivo, mesmo com a redução de dias letivos.
Em geral, os contratos celebrados com as escolas particulares têm por objeto o cumprimento do ano letivo, mas em regime presencial. A determinação legal para o fechamento das escolas, por prazo certo ou indeterminado, constitui fato impeditivo do cumprimento da obrigação escolar tal como acordado. Contudo, esse descumprimento seria causa para o não pagamento das mensalidades escolares (a rigor, uma anuidade dividida em 12 parcelas)? Ou mesmo para a revisão da contraprestação ajustada?
Não se pode afirmar que as escolas que estão com aulas presenciais suspensas estão inadimplentes. Isto porque a inadimplência pressupõe culpa, e a hipótese é de fato extraordinário que impossibilita o cumprimento da obrigação. A pandemia do Covid-19 excluiria a responsabilidade por perdas e danos e pela temporária falta de aulas presenciais. Apesar disso, se a forma ajustada para a prestação do serviço educacional é de um ano letivo de no mínimo 200 dias e com carga horária presencial, qualquer modificação no nesses pontos implicará em efetivo descumprimento, mesmo que não culposo.
Considerando que a prestação do serviço escolar e conclusão do ano letivo permanece do interesse da outra parte contratual, não parece ser o caso de resolução e, por conseguinte, não pagamento das mensalidades escolares. Entretanto, a modificação do objeto contratual, ainda que por causa excepcionalíssima, implica em desequilíbrio das prestações avençadas, e, assim, o contrato pode ser revisto. Ressalte-se que os contratos escolares configuram-se como relação de consumo, o que torna a revisão contratual um direito fundamental, como previsto no art. 6°, V, do Código de Defesa do Consumidor.
Para além da possibilidade jurídica da revisão contratual, contudo, o momento não é de enfrentamento ou litigiosidade. A ordem do dia para a solução dessa crise global é a cooperação. Em Sapiens, o historiador Yuval Harari deixa clara a importância das redes de cooperação para a sobrevivência da espécie humana e esse é mais um desafio para a humanidade. Nesse espaço de convívio escolar também. Se as escolas deixarem de ser pagas, não conseguirão conservar a qualidade ou até dar continuidade às suas atividades. Se as escolas não revisarem seus valores contratuais, muitos responsáveis não conseguirão manter quitados seus contratos, em virtude da perda de renda inevitável na recessão que se aproxima. E, assim, um caminho colaborativo pode ser trilhado.
O princípio da proporcionalidade se mostra um critério interessante para pautar essa revisão contratual, com a redução dos valores contratados na proporção do que for efetivamente prestado, o que depende da medição do contrato, em termos de custos fixos e variáveis, bem como a redução ou subtração do lucro estimado. A atividade educacional exerce uma função social notória, portanto, é interesse de todos sua manutenção.
Com vistas a esse objetivo, as escolas devem atuar na prevenção de litígios futuros, que visem rever judicialmente os contratos ou ações de cobrança das mensalidades escolares não pagas, em processos judiciais que se alongam ano a ano, acrescendo custos financeiros e emocionais para todos. A escola é também local de desenvolvimento pessoal das crianças e adolescentes que, nesse sentido, devem ser preservados. As relações continuadas entre escola, alunos e pais de alunos requer a busca de soluções consensuais. Os argumentos jurídicos servem para situar as partes da necessidade de negociar, mas o enfrentamento da questão requer mais colaboração que a afirmação “do meu direito” ou “do seu direito”. Em tempos de Covid-19 são os princípios da proporcionalidade e solidariedade que vão unir escola e responsáveis no interesse comum que é a continuidade da educação das crianças, adolescentes e jovens.